
Você deve estar se perguntando, o que a figura de um suflê de goiabada tem a ver com o título: meninas inseparáveis? Muita coisa. O suflê é resultado de uma terapia nada convencional: a literária. Foi um querido amigo que me disse sobre isso pela primeira vez. Disse que faria terapia através de leituras interessantes. Dei risada e argumentei que ele estava fugindo, ou melhor, correndo, dos consultórios. O fato é que passado algum tempo, acho que ele tem razão. Claro, não estamos tratando de nenhum caso patológico.
Acabei de ler uma autobiografia ficcional com o título deste post. O relato é o da vida de duas gêmeas siamesas, unidas pela cabeça, que viveram assim até os trinta anos. Não sei exatamente o que me motivou a ler esse livro, já que, muito preconceituosamente, enquadrava histórias assim na categoria das bizarras. Exatamente como se queixavam as irmãs, do sentimento que expressava quem as olhava pela primeira vez. Na verdade, a capa me despertou a atenção. Dois pares de pés tocando a água de um lago, muito delicadamente. E, a capa não poderia ter sido mais feliz. É exatamente este o adjetivo para a história: delicada.
Confesso que o início me deixou um pouco angustiada. A idéia de pensar numa vida compartilhada, o tempo todo, em todas as situações, me sufocou. E foi aí que eu dei uma pausa na leitura e demorei a voltar ao livro. Mas, depois de tê-lo carregado no carro, em viagens, pra cima e pra baixo, finalmente, o desafiei. O difícil não era ter que compartilhar toda a vida com alguém, em todos os momentos. O difícil era ter que compartilhar a vida, a todo o tempo, com alguém tão diferente.
Ruby e Rose eram opostas no modo de encarar sua realidade. A primeira: pragmática, frágil fisicamente e totalmente resignada e satisfeita com seu mundinho. Rose, não. Partiu dela a idéia de escrever a história das duas. Era ela quem carregava a irmã. Fantasiosa, romântica, embora tivesse ido além da irmã no mundo das idéias, sempre carregou a angústia do querer mais.
Embora tão diferentes, a necessidade de viverem juntas fez com que tivessem um companheirismo incondicional, e um desprendimento, diria, singular. E é justamente a diferença entre elas que completou suas vidas.
Rose foi minha favorita de cara. A resignação de Ruby me irritava. Dava a impressão de que vivia na superficialidade. Na verdade, a irritação veio mesmo de lembrar como já fui assim um dia. Aquela forma de viver, meio que como uma Polyana contente, onde tudo está bom, mesmo quando, na verdade, está é tudo muito ruim.
A história desenrolou e com o passar dos fatos, fiquei impressionada em como me rendi ao pragmatismo de Ruby e como, muitas vezes, ter os pés fincados no chão, ainda que num espaço bastante limitado, pode ser muito mais compensador.
Terminou a história. Fui devolver o livro à minha prateleira e lá vi outro que estava lá meio que abandonado desde que eu o comprei: Carlota, balaio de sabores. Sim, um livro de gastronomia. Na verdade, um livro de receitas, da Carla Pernambuco, uma chef de cozinha por quem tenho curiosidade.
Sempre adorei cozinhar. Adoro experimentar coisas novas na comida. E, sem modéstia, adoro a minha própria comida. Mas, a época em que mais me dediquei a esse hábito foi, justamente, a época em que vivia como falei, um tanto quanto resignada, para não dizer, alienada. Desde que me dei conta disso, abandonei esse comportamento e, com ele, mais ou menos tudo que fazia quando era assim. Cozinhar foi uma das coisas que eu deixei de fazer, na periodicidade que fazia. Perdi a mão, o gosto, sei lá.
A delicadeza da história de Ruby e Rose, no entanto, me deram uma enorme vontade de executar algo daquele livro de receitas maravilhoso. E assim se foi a tarde, prazerosa, entre colheres, claras, música e sabor. Eis o suflê de goiabada com calda de catupiry. A história das siamesas, muito além de uma história, foi a constatação de que também vivo dividida em duas meninas inseparáveis e, quando a fantasia angustia, os pés no chão da outra aparecem para equilibrar.
2 comentários:
É uma delícia ler seu blog! Como disse a Lé, adorei de novo!
Sobrou um pouco de suflê de goiabada? Também adoro.
Sobrou. E eu não aguento mais olhar pra ele. hahaha Vc sabe como sou exagerada!!!Gracias pelo elogio! Aliás, adorei nossa pizza!
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