
A idéia era ter uma noite de sábado agradável entres irmãs - e aqui incluo uma prima querida - tricotando sobre episódios recentes das nossas vidas. São raros os momentos em que a gente pode se dar a esse desfute sem a presença de maridos, namorados e assemelhados de cada qual, muito menos com o clima propício para o aconchego!
Caía uma chuvinha sem-vergonha, mas o suficiente para deixar a temperatura amena e até fazer um friozinho. Decidi fazer uma sopa de batata baroa. Caprichei! Abri uma garrafa de vinho. O normal seria já estar entusiasmada para a semana toda, ao final de duas taças! O normal seria estar trocando cd´s no aparelho de som, comentando sobre aquele samba sofrido do Cartola que o Ney Matogrosso gravou e, repetindo, freneticamente, como alguém poderia ter tido tamanha sensibilidade ao escrever aquela letra...O normal seria outra coisa. Enfim, o normal seria ter todas as exaltadas e não inéditas reações pós-vinho e boa conversa, regadas a boa música.
Não foi o que aconteceu. Murchei! Nem mesmo a ligação inesperada do meu querido, que estava tão longe, e que obviamente me faz feliz, provocou reação. Reclamei que estava me sentindo estranha sem razão. Era a intuição que anunciava a perda. Resolvi dormir lá mesmo na casa dos meus pais. Acordei com os berros da minha irmã alertando, às sete da manhã, sobre a presença de um ladrão dentro de casa! Não me lembro de mais nada, ao não ser do pavoroso grito que me despertou e dos ruídos do infeliz, que, assustado, corria pra deixar a casa, saltava portões, pulava sobre telhas...
Depois do choque, depois de comentarmos as obviedades que sempre se dizem em casos assim, tentei reagir, sacudir a poeira, repeti várias vezes que fomos sortudas porque nada nos aconteceu, que tinha sido só um susto e um pequeno furto, mas meu espírito e meu corpo teimavam em não aceitar aquela lógica!
Fui tomada de uma tristeza, de um vazio e de uma "falta de lugar" tamanhos que me levaram a pensar no porquê de uma reação tão exagerada. Hoje eu entendi. Aquele ladrão não roubou só o som compacto que eu dei de presente de aniversário pra minha mãe com tanto carinho (e com meu disco querido do Paulinho da Viola dentro), ele levou também a minha até antes imaculada sensação de segurança. Desde que entendo por gente, a casa dos meus pais é a mais perfeita tradução de paz para mim. Toda vez que pisava ali era como se estivesse entrando dentro de um abraço, onde jamais me faltaria qualquer coisa e nunca correria qualquer perigo! Foi muito difícil me desapegar desse "bem", e esse, infelizmente, aquele que levou não vai poder usar, nem trocar, nem vender no mercado negro. Perdeu-se!
Hoje choveu de novo e, sem querer, acabei tomando aquele que é o melhor dos banhos! Pedi que todas as sensações ruins do final de semana fossem arrastadas naqueles pingos fortes de chuva. Acho que fui atendida. A vida segue e a mesma chuva que trouxe a angústia, a levou embora. Só não levou a vontade de recuperar aquela que, até hoje, era a minha mais especial sensação de afeto! Fica o desejo de encontrar-me de novo com ela!
Um comentário:
Querida, as pessoas são as mesmas e o afeto também. A chuva fez o seu papel e agora está na hora de dar por vencido esse episódio. Você sabe que na nossa vida um dia sempre vamos rir das piores tragédias. Bjs
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