sábado, 28 de julho de 2007

Só, mas na sua companhia.

E aqui estou eu, sozinha com o tempo. Sentindo-me lenta nesse mundo frenético de megabytes e terabytes. Entre downloads e uploads. Num clique e na tela vejo os meus amigos, uns do outro lado do planeta, alguns do lado de casa. Rio um pouco com alguém desde o Rio de Janeiro e ignoro o meu vizinho. Abrem-se ofertas, propostas e, tudo parece ao meu alcance. Basta escolher.

Windows Media Player parece a melhor alternativa para acompanhar o livro e o café. A idéia é manter o ritmo desacelerado. Ao menos até abrir-se o primeiro wma. Toca o bandoleón. Sou obrigada a fechar o livro. No cenário a única coisa que combina com aquela melodia são as unhas vermelhas. Preciso fechar os olhos. Chego muito rápido. A primeira sensação é o seu cheiro misturado ao do lugar, depois vem a fumaça. Os meus olhos ardem pela claridade do dia, mas lá está de noite. O som vai ficando mais alto. O ritmo é envolvente. Inevitável. Preciso suspender os cabelos. Faz muito calor ao dançar assim, tão próximo. Eu nunca havia dançado um tango.

Toca o telefone e a imagem se vai junto com o tango. Tento voltar ao livro e mais uma vez sou impedida. Acho difícil estar errando o cenário embora nunca tenha estado ali. Não vi a Champs Elysees mas o garçom que me oferecia a cigarrilha de chocolate não poderia ser de outro lugar. E, antes mesmo que eu o acendesse e admirasse o jardim pela janela do café tive que voltar. Tive vontade de apertar o review e continuar a ler o meu romance naquele cenário, mas o cheiro do cigarro me fez pausar para mais um café.

Surpresa! Não voltei ao tango, mas tenho certeza de que te vejo novamente. É o mesmo cheiro. Também há fumaça, continua de noite, mas, no lugar do vinho, cervejas e um balcão. Uma mesa de bilhar e uma moça de cabelos pretos compridos jogando dardos. Os demais repetem o refrão junto com a banda. Ficamos ali até acabar. Passava um jogo pela televisão. Ao sairmos de mãos dadas, silêncio.

Que coincidência. A ordem dos arquivos acompanha o pensamento. A madrugada está gelada. O cinza da rua contrasta com as folhas amarelas que caíram das árvores. Sentados no degrau da escada, diante da porta de entrada do edifício, esperamos alguém passar para um comentário qualquer. Não passa ninguém. Eu peço seu casaco emprestado, você prefere me dar um beijo. Novamente o cheiro. Sinto o calor do tango, mas o que se ouve, agora, é pop. Depois: rock, cubana, mpb e até uma sussurrada melancolia na voz da norueguesa. Nem mesmo a melancolia faz mudar a paisagem. Continuamos ali, para ser mais precisa, alguns degraus acima.

Ei, alguém está chamando no computador. Abro os olhos. Agora já é de noite aqui, embora já tenha amanhecido lá. Respondo. Reclama do tédio, da solidão. Eu, de cá, não consigo entender, bastaram-me oito canções num arquivo desordenado para sair por aí. Acompanhada de mim mesma. Tento lhe explicar como. Em vão.

Agora toca um samba: “alegria era o que faltava em mim, uma esperança vaga eu já encontrei”. Olho para as unhas vermelhas, as únicas capazes de se transporem do sonho para a realidade. É hora de regar as margaridas e tentar descobrir aquele rosto na multidão.

* Trilha sonora: Diferente (Gotan Project); C’ est Si Bon (Lisa Ono); Staring at the Sun (Tv on the radio); Melt with you (p/ Nouvelle Vague); Du sang sur le doigts (Paul Ahmarani & Les Nouveaux Mariés); Central Constancia (Marina de La Riva); Vai de Vez (p/Bossacucanova); Ease (Hanne Hukkelberg); Alegria/O sol nascerá (p/ Roberta Sá)

5 comentários:

Anônimo disse...

E quem disse que o ócio não pode ser produtivo? Quem disse que o tédio não pode servir de inspiração? Eu continuo acreditando na intensidade dessa bailarina. Só uma pessoa realmente intensa é capaz de expor e se expor assim... Ai, quem me dera...

Anônimo disse...

Totalmente de acordo com Lucrécia! Que intensa essa bailarina. Só não posso entender Drexler fora dessa trilha sonora.

Bailarina disse...

O Drexler j� tem um cen�rio. N�o consigo alter�-lo. Lo siento! E ele nunca est� desordenado no arquivo de m�sicas. Est� completinho e organizado, com todo mimo que merecem os fofinhos!

O Estupidista disse...

Eu acho que me faltam as unhas vermelhas! Vou pensar no assunto. Mas na minha trilha eu com certeza tenho de incluir Arcade Fire e Psapp...
Agora, minha cara bailarina, o mais incrível não é a sua capacidade de se deslocar, assim, ao ritmo da música, para tantos lugares com todas essas aventuras. O que impressiona é sua capacidade de nos colocar exatamente na mesma viagem, assim, escrevendo, depois de tudo terminado, como quem incorporou cada segundo da viagem que fez. Seu texto é fantástico.

Bailarina disse...

Olha só, um comentário do estupidista! Quanta honra! Com direito a elogio, então! Nem se fale! Olhe, o Psapp poderia bem ter substituído a Hanne, mas o arquivo estava mais adiante. Bjs