quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A Bailarina e a equilibrista!

Faz um tempo que estou aqui parada para escrever. Dessa vez a trilha sonora não está ajudando. É sempre esse o ritual. Uma música e uma inspiração. Para rodopiar pelas palavras num compasso interessante.

Na verdade, acredito que evitava a canção exata. A que me faria encher as linhas, rapidamente. É que ela, na voz da Elis, sempre me trouxe nostalgia, agora que o momento é de total, nem se fale. Vamos lá, peço desculpas, as palavras não vão obedecer ao ritmo da canção. Esqueçam da pontuação.

Acho que eu tinha algo em torno de uns quatro anos. Talvez cinco, ou seis. Não me lembro, exatamente. Não sabia escrever, mas sentia nostalgia. Era só começar a tocar essa canção. Aquela melodia me lembrava o circo. Explico: a única coisa que eu captava, enquanto mini pessoa, do que ali se falava, era que havia um equilibrista e um bêbado com chapéu torto fazendo malabarismos. Mata – borrão do céu? Volta do irmão do Henfil? Não, definitivamente, eu não fazia a menor idéia do que se tratava. Mas adorava toda vez que a radiola de madeira, que hoje seria um ícone retrô, linda, se punha a rodar o vinil desta canção.

Nessa época a vovó fazia roscas deliciosas e as cobria com coco ralado deixando a casa com um cheiro inesquecível. Acho que foi ali que me apaixonei por café. São, também, dessa época, as minhas mais remotas lembranças da dona desse vinil tão especial, que me fez iniciar pela maravilhosa música brasileira. Aproveitava que ela não estava em casa e que a minha avó, como sempre são as avós, condescendentes, me deixava futricar e lá se ia aquela menina danada ouvir aquelas canções. E lá estava a emoção, a melancolia e o sentimento inexplicável, só entendido mesmo pelo poder que têm as canções em nos comover.

Mas eu não me contentava só com os seus discos. Adorava as suas gavetas. Umas muitas camisetas estampadas onde se estava escrito: diretas já! Panfletos. Adesivos. Botons do PCB, ou seria PC do B? Seja o que for, havia uma foice (confesso que tinha medo da foice). Lembro de vê-la chorar com a morte de Tancredo Neves e de tantos outros. Aliás, lembro-me muito de vê-la chorar, de feliz e de triste. Lembro-me do seu lindo cabelo loiro, comprido e crespo. Dos seus olhos azuis. Das suas belas pernas. Da sua risada. Da casa cheia de amigos. Da casa cheia de amigos legais. Lembro-me dos livros. Nossa! Eram muitos livros. Como não se encantar? Era muito apaixonada pelo seu universo. Mas ficava ali, quieta, apenas a espiar, como quem pensa que pode aprender a ser irradiante.

Quando ela se foi para a capital, "sabia que nada seria como antes", a vovó chorava sempre que ela vinha e voltava. Mas nunca na sua frente. Eu não entendia porque ela tinha ido se a queríamos tão perto. A vovó só me dizia, a sua tia é uma apaixonada. Mas, o meu desprendimento de criança logo me fez adaptar com a sua ausência. Foi aí que ela me conquistou de vez. Não via a hora das férias chegarem para rumarmos ao pequeno apartamento da 407 Norte. Ali, agora, muitas outras novidades. Não me esqueço da geladeira repleta de guloseimas de fazer qualquer criança perder o juízo. Foi dela que ganhei o primeiro relógio: amarelo. Também veio dela um sapato que jamais me esqueci: boneca, de verniz, vermelho. E, por fim, a idéia de que podíamos ter uma casa, só nossa, ainda que sem um marido, que tivesse a nossa cara e a nossa liberdade.

Não me sentia capaz de ser sua amiga, sentia que precisava de mais brilho para estar à altura de alguém tão cativante. Os anos se passaram. Para ela, o casamento, os filhos, o emprego bacana. Para mim, o mesmo universo apaixonante. Fui me descobrindo cada vez mais próxima. E acho que cheguei lá. Hoje, tenho a honra de lhe apresentar novas canções, de lhe indicar livros e de fazê-la sorrir.

E tudo isso, nada mais foi, que um agradecimento por ter me ensinado que na vida apenas vale "uma casa no campo, onde a gente possa plantar nossos amigos, nossos livros e discos e nada mais".

Hoje é seu aniversário, a intenção era fazer uma homenagem, mas o que aqui fiz é justamente o que ela detesta. Dizer que de tanto admirá-la, nos tornamos parecidas. Geralmente nos comparam pelos defeitos: somos desastradas, adoramos coca-cola, falamos alto, não nos apegamos ao dinheiro, fazemos tudo pelos amigos (mesmo os que não merecem), queremos tudo para ontem e já sofremos de síndrome do pânico. Maluquete e malucona, como bem diz o seu irmão, meu pai.

Lo siento. Queria ser bonita como você! Por dentro e por fora! Intensa, idealista, apaixonada, feliz e ansiosa! Você é tão voraz em busca do tudo que ele é pouco para você. Nesse sôfrego e intenso viver, sinto-me enormemente feliz de ser sua cúmplice. Ainda que você beba as minhas lentes de contato depositadas em soro fisiológico pensando se tratar de água com gás. Ainda que você se emudeça quando está cansada e de mau humor. Ainda que você diga que vai brincar de martelinho. Ainda que você emburre. E, ainda que você insista em colocar passas na maionese!

És a minha linda equilibrista! A que, capaz dos mais inusitados malabarismos "foi vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar". E sei, que mesmo quando houver uma dor assim pungente, esta não há de ser inutilmente e o Drexler estará sempre a postos para socorrer. A esperança dança na corda bamba, de sombrinha. E, embora, em cada passo dessa linha possa se machucar, a sua esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista, tem que continuar!

Te amo, tia!

5 comentários:

Unknown disse...

É bem possível que eu esteja lendo antes da homenageada. Aliás, abri o blog (na minha rotina diária) exatamente no momento em que falava com ela ao telefone para desejar "Feliz aniversário!". E sabe que me vieram dois sentimentos ao ler o texto: de inveja, por não ter tido uma tia que me inspirasse assim, e de privilégio, por ser amiga da sobrinha e poder conviver com ela...De novo, feliz aniverário, Ana! Beijos!

Anônimo disse...

Ao contrário de uma certa "revolucionária" que já foi retratada pela bailarina, uma caixa de Rivotril não seria suficiente para me fazer parar de chorar. A equilibrista desabou, mas promete, tão logo se recupere da emoção, a comentar a mais bela declaração de amor que já recebeu.

Bailarina disse...

Esqueci de contar uma coisa: ela é exagerada!

Anônimo disse...

Vivi,
Lindo texto. Não havia como não "ouvir Elis" e "ver" você contando essas suas histórias... Palavras lindas, originadas de uma cabeça "que vive em cirandas"...
Adorei. E serei frequentadora assídua, pode esperar!
Beijo, Eloína.

Bailarina disse...

Ôba, a cia de vcs é sempre bem-vinda! Bjs