Olhos famintos

“Meus olhos têm telescópios espiando a rua, espiando minha alma longe de mim mil metros”. E ela vai e vem, ora sai do campo de visão e volta pra dentro de mim, ora se une ao burburinho dos acontecimentos. E eles vêm frenéticos, para desespero das meninas que, em vão, tentam acompanhar a evolução. Mas, também se vão. É quando os olhos têm fome e a alma se entrega .
De quê? “De diversão e arte. De saída para qualquer parte. De diversão, balé”. Os olhos famintos querem inteiro e não pela metade. Querem engordar a alma na tentativa de prender-lhe de vez, em paz. Doce, tango, salgado, pop, amargo, cinema europeu, azedo, drama. Acompanhados de saquê ou licor, vinho ou ofurô.
Exagero. Indigestão. A alma está pesada e já tomou sal de frutas. Quer por tudo pra fora, mas eles ainda estão famintos. Abstinência. Reeducação. Dieta aos olhos pra emagrecer a alma. Salada, solidão, suco, meditação, esporte, manjericão. O equilíbrio da emoção.
Vou ter sono na segunda e tomar coca-cola no verão. Ver o filme de aventura mordiscando pimentão. Suco sem açúcar e caminhada pra diversão.Desintoxicar a intensidade com overdose de contemplação. Engenheira poeta. Mistura de fantasia e razão.
Para enfim chegar à “Doce tranquilidade do não-fazer”, ao “equilíbrio perfeito do apetite de menos”. E os olhos, agora, na “tranquilidade do pensamento de pedra”, quedam-se, “sem fuga, evaporação, febre, vertigem”. Sem telescópios e, ainda assim, enxergando com inspiração.

Trechos de: "Pedra do Sono" e "Engenheiro", de João Cabral de Melo Neto e, "Comida", dos Titãs.

Esse texto é dedicado à Thaís, que não lê blogs, muito menos o meu, em resposta ao que eu vejo sobre a intensidade que ela atribui à minha vida. Beijos, querida!